Atualizado: 14 de jun. de 2023
Texto de Anna Sales
Ramatis no mercado da Publicidade alagoana, e Rama Costa, no mundo da fotografia. Ele realiza trabalhos em fotografia documental, criativa e conceitual, mas sempre trazendo à tona um ‘algo a mais’. As obras produzidas no formato de ensaio e séries possuem uma visão única, que convida o espectador à admiração e reflexão sobre o tema fotografado.
A Revista Alagoana conversou com o fotógrafo, confira;
R.A: Como e quando você começou a fotografar?
Ramatis: Meu pai era um tipo de geek dos anos 70/80. Ele era locutor, apresentador de TV e publicitário. Tinha em casa uma câmera super 8mm, fazia edições em casa e eu ajudava (e também atrapalhava um pouco). Ele se interessou por fotografia e adquiriu uma Minolta para a agência de publicidade, me ensinando o básico. Meu pai também fazia experiências com luz em casa, eu era seu contrarregra. Quando saia pra pescar, me levava junto e eu não curtia pescar. Então a câmera e um filme de 16 poses, que deveriam ser usados com muita parcimônia, foram meu primeiro contato. Depois, me formei em comunicação e sempre quis comprar uma câmera, mas as analógicas profissionais eram muito caras, além do processo de revelação. Então esperei o mundo da fotografia digital pra poder cair de cabeça.
R.A: O que você mais gosta de fotografar?
Ramatis: Apesar de ter me dedicado a alguns ensaios autorais, com modelo e narrativas planejadas, eu gosto mesmo é da fotografia documental e de rua, tentando trazer um viés mais poético ou às vezes de humor. Gosto muito da natureza e da cidade, então também gosto de fazer paisagens urbanas e naturais com esse mesmo direcionamento.
R.A: O que mais te encanta na fotografia?
Ramatis: A fotografia congela aquele milissegundo e conta toda uma história com um poder de síntese muito grande. Pode ser verdade, pode ser uma fantasia, mas está despertando uma reflexão. Me satisfaz ver e mostrar o óbvio que passa despercebido. Mas como encantamento, mesmo, é a possibilidade de despertar empatia, de servir de ponte entre mundos diferentes, trazendo reflexão, despertando a curiosidade e promovendo um respeito, admiração e aceitação.
R.A: Como é mesclar seu trabalho como publicitário com as fotografias documentais?
Ramatis: Eu tento separar ao máximo, porque são mundos e propostas distintas. Trago a bagagem da composição, do apuro estético, da objetividade em relação ao assunto e tema fotografado, quando necessário. Mas não uso as técnicas publicitárias nem os equipamentos mais robustos que os estúdios usam. Tanto que na agência, contrato fotógrafos especialistas nessa área. Às vezes minha fotografia é mais abstrata, com movimento, coisas que a gente não usa na publicidade.
R.A: Sua formação como publicitário te auxilia na hora de realizar as criações mais artísticas e/ou conceituais?
Ramatis: Sem dúvida. Num ensaio autoral a gente conceitualiza, faz um rascunho, pensa no que precisa para produção. Então, esse processo criativo é muito similar e comum pra mim. Acho que até me ajuda no trabalho a dedicação que tenho com este outro lado.
R.A: Como surgiu a ideia de fotografar os jogos indígenas?
Ramatis: Eu já tinha a ideia de documentar os rituais indígenas em Alagoas e estava estudando os livros de Jorge Vieira (o historiador). Vi um post de uma amiga super talentosa, a artista plástica Geovana Cléa, falando que seria a madrinha dos Jogos Indígenas em Inhapi, na aldeia Koiupanká. Perguntei a ela se poderia fazer as fotos e entrei em contato com a organização do evento, que autorizaram todo trabalho fotográfico. Quem também foi comigo e fez imagens belíssimas foi o Jarsen Nunes. É uma experiência que ainda está em curso, pois mantive contato com muitos dos fotografados, para quem disponibilizei as fotografias sem qualquer custo. Estamos falando ainda sobre os projetos de arrecadação de fundos para a edição de 2024 dos Jogos.
R.A: Como foi a experiência de fotografar os jogos e os indígenas de Alagoas?
Ramatis: O processo de fotografar e documentar também é um momento de aprendizado. Teve muita conversa com as pessoas, com a liderança, sobre suas visões de mundo, suas expectativas e necessidades. Foi uma experiência linda, quase mágica. Todas as modalidades são intercaladas com as Torés das diversas tribos de Alagoas, desde o tronco Pankararu quanto as Kariri-xocó e Wassu-cocal, que também foram retratadas.
R.A: Tem algum ensaio ou projeto que você, ao finalizar, pensou: é por isso que quero seguir na fotografia?
Ramatis: Me sinto assim toda vez que volto de uma saída fotográfica. E acho que isso vale mais que os eventuais prêmios. Se eu conseguir reverter essa fotografia em ganhos financeiros para as comunidades indígenas, acredito que vou me sentir pleno na missão. Também quero produzir alguns fotolivros, pois os trabalhos inscritos em prêmios representam apenas uma fração, uma síntese do trabalho produzido.
R.A: De onde surgiu a ideia para o Sagradas Famílias, que mistura o documental e o artístico?
Ramatis: Surgiu durante a oficina Fotografando Poesia, do Jorge Vieira (fotógrafo), a partir de um poema de William Calixto, de título ‘Pietá’. Eu tinha visitado recentemente o museu de imagens sacras em Marechal Deodoro e o projeto tomou forma na minha cabeça naturalmente
R.A: Você acredita que há uma diferença entre fotografia documental e artística, ou essa separação não existe mais?
Ramatis: Acredito que existe. Porque você pode documentar suas memórias de forma vernacular. Pode documentar um evento específico apenas com as técnicas e olhares de documentação, sem provocar nada em quem vê. Vejo a diferença aí, arte é provocação, reflexão, pensamento, despertar, empatia, sentir.
R.A: Qual foto foi a mais difícil de realizar?
Ramatis: As fotos do Elas Pelas Janelas foram bem desafiadoras. Porque envolviam um tempo muito curto de execução aliado a pouca luz. Eu tinha que enxergar rapidamente onde estava a cena no ônibus, ir até lá sem chamar atenção e fotografar com foco manual. Outras fotos avulsas, no Mercado da Produção, por exemplo, me deram oportunidades de cliques únicos com ações que não vão se repetir. Aconteceu ali uma vez e pronto. O ensaio tarja preta também foi difícil de conceitualizar
R.A: Qual foto ou ensaio você mais gostou de fazer?
Ramatis: A corrida do Imbu, porque tem toda uma atmosfera no ritual cercada pelo som das flautas, das cantorias. Foi uma experiência única.
R.A: Alguns dos seus trabalhos, como o Elas Pelas Janelas, já foram premiados. Ao todo, quantos e quais foram premiados?
Ramatis: O Elas Pelas Janelas foi o mais premiado, além do Paraty em Foco foi selecionado no Fotosururu, Festfoto (RS), Encontro na Esquina do Brasil (RN), e foi publicado na revista Maze (Milão-ITA), ilustrando uma matéria com Eliane Brum. Sagradas Famílias, Tarja Preta, Metalmorfose, Qual Veneno te Mata, Jogos Indígenas e Corrida do Imbu também foram selecionados como ensaio no Paraty em Foco e os dois últimos no Fotodoc. Como fotos individuais eu não tenho a conta.
R.A: Em breve, as fotos dos jogos indígenas serão expostas em um evento em um castelo em Milão. Como foi que surgiu o convite como está sendo a preparação para essa exposição?
Ramatis: Geovanna Cléa, a fundadora da EOTW, criada para promover artistas brasileiros pelo mundo, é madrinha dos jogos e mora nos arredores de Milão. Ela me fez o convite para participar do evento. Pensamos juntos em uma forma de arrecadar fundos para os Jogos Indígenas. Após a exposição, as 9 fotos, que serão impressas em Plexiglass, uma espécie de acrílico para fine art, ficarão disponíveis para venda na galeria EOTW. Após retirar os custos de impressão e transporte vamos repassar 50% do valor arrecadado para esse fundo, que a aldeia vai utilizar no custeamento do evento. A exposição acontece de 10 de junho a 10 de julho.
R.A: Na sua visão, qual o papel que a fotografia tem na nossa sociedade?
Ramatis: O diferente normalmente sofre de muitos preconceitos e resistência. O mundo está cheio de ideias e estigmas pré-concebidos sobre povos e culturas. Os indígenas, por exemplo, sofreram todo tipo de preconceito durante 5 séculos. A fotografia pode agir como uma ponte que aproxima as pessoas e desfaz esses estigmas, apresentando a cultura, os rostos e a beleza da diversidade de nosso país. Espero que a fotografia trabalhe a autoestima tanto dos povos originários quanto da nossa sociedade em tê-los.
R.A: O que a fotografia representa na sua vida?
Ramatis: A fotografia tem sido um combustível motivacional para toda a criatividade e também refletido na minha evolução enquanto cidadão. Tem me ajudado na expansão do entendimento de mundo, das pessoas e tenho a sensação de que com isso tenho servido de exemplo também para a formação de minha filha. Que ela conviva e entenda essa diversidade ao redor, com plena consciência de seu papel no mundo.