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Thiago Souza: a energia jovem com o saber de um mestre popular em Porto de Pedras/AL

Texto de Bertrand Morais

Como quem viaja com um mapa ou, em tempos digitais, um localizador ligado para não correr o risco de perder-se durante o percurso, o jornalista que vos escreve, dentro de um ônibus amarelo com a descrição externa ‘escolar’ (tipo os veículos norte-americanos vistos em filmes), esteve acompanhado de um grupo cultural pra lá de identitário: a única Cambinda ativa de todo o estado de Alagoas. O destino era, certamente, a cidade de Porto de Pedras, no litoral norte do estado, ao som de tambores e muita animação do começo ao fim da viagem de cerca de 3 horas saindo da capital alagoana.

Quando desembarcamos no Povoado Lages já havia escurecido. Por motivos óbvios, estávamos enérgicos contrastando com a tranquilidade na vizinhança. Não chovia, mas ventava com certa intensidade ao ponto de fazer frio aos parâmetros nordestinos. Ora, era noite de inverno do mês de agosto. Instalei-me numa simples e aconchegante pousada da região até o dia posterior.

Apesar da Cambinda de Mestre Nô valer-se de um forte merecimento a uma visita e trabalho sobre ela, meu objetivo ali era conhecer de perto outra manifestação cultural presente na comunidade: o bloco de rua carnavalesco com uso de máscaras denominado Bobo Gaiato.

Nunca houve tanta necessidade por máscaras como nos tempos atuais sob uma pandemia, mas garanto que essa é totalmente diferente da “habitual”. Além, de carregar forte ligação emocional ao entorno.

A Revista Alagoana traz o perfil do produtor cultural em sua comunidade e atual superintendente da juventude por Alagoas: Thiago Souza. 

Por volta do meio dia de um sábado, sou buscado na pousada onde eu havia me instalado por Thiago Souza, propagador da tradição mascareira, especialmente, após a morte do mais conhecido Mestre dessa arte na região. Em meio à primeira onda da pandemia de Covid-19, em meados de julho de 2020, Mestre Gilberto da Silva falecera, aos 71 anos, em decorrência de infarto. Foi-se o mestre, mas seu legado permanecera vivo através de seus filhos Luciano e Luciana.

Guiado por mototaxista chego à casa da família Silva acompanhado de Thiago na garupa de outra moto. Assim, chegamos ao Povoado de Tatuamunha – o primeiro conglomerado urbano da cidade de Porto de Pedras – no qual é uma espécie de boas-vindas àqueles que nela chegam durante o percurso da Rota Ecológica dos Milagres. Contrariando a época chuvosa do ano, fazia certo calor em meio a um dia ensolarado com muitas nuvens.

 

Nessa mesma vibração, fomos recebidos de forma simples e calorosa pelos irmãos Luciano e Luciana, filhos de Mestre Gilberto, e a viúva Dona Luíza. A casa da família é marcada pela cores – paredes de predominância laranja, porta e janela externa azuis – e máscaras de cores diversas, porém sempre vibrantes.

Lá, pude ter a oportunidade de ouvir deles como era feita a confecção das máscaras – de forma artesanal e reciclável, já que utilizam-se também de papéis de livros escolares vencidos e doados – além de goma de mandioca, pincel, cola, tinta óleo, entre outros materiais; o inverno alagoano prejudica-os com a diminuição dos dias ensolarados, os quais são necessários na secagem das máscaras por dias expostas ao sol.

 

“Depois da visita de Celso Brandão ao nosso pai ainda quando éramos crianças, as pessoas passaram a conhecê-lo e comprarem suas máscaras. Ele nunca parou de fabricar máscaras mesmo quando doente. Hoje somos nós, um moldando e outro pintando”, e acrescentam “isso é uma forma de reviver lembranças do nosso pai” dizem os sucessores da tradição.

Orgulham-se em dar continuidade ao legado do pai. Também são gratos a Thiago por todo apoio oferecido em vida, mas especialmente, após o falecimento do Mestre mascareiro autodidata, que antes de partir, fez seu filho Luciano prometer em dar seguimento à tradição. Hoje, onde ele estiver, deve estar contente, por ver um futuro ateliê sendo erguido ao lado da casa da família e toda mobilização feita por Thiago e outras pessoas, que querem ver a cultura das máscaras com seu devido protagonismo.

Em seguida, próximo dali, fui conhecer um charmoso e pequeno imóvel, o qual está alugado por Thiago que também é sociólogo para ser sede de algo ainda indefinido, nas palavras dele. Porém, por aqui já são guardados tesouros da comunidade: máscaras em tamanho humano que vestem da cabeça até o tronco (o detalhe é que foram feitas pelo ilustre Mestre Gilberto entre os anos 80 e 90). E, claro, são preservadas como forma de memória comunitária, onde dinheiro algum as compram.

“A minha vida meio que tomou um norte diferente quando passo a despontar mais para seu [Mestre] Gilberto para tentar resgatar a cultura dos Bobos na cidade. Foi um divisor de águas para mim”, relembra Thiago durante nossa caminhada pelo povoado Tatuamunha.

Alguns dos planos de Thiago, hoje com 30 anos, são materiais como a construção de um memorial para a cultura mascareira de sua cidade natal, Porto de Pedras, e o resgate de grupos culturais desativados da região. Mas, inserido nesses planos, está um desejo dele  simples e complexo: trazer integração da comunidade com as produções culturais locais.

E, caso isso ocorra, Porto de Pedras não será apenas vista como um destino de praias paradisíacas, mas também de efervescência artístico-culturais inesquecíveis para quem apreciá-las.

Para adquirir máscara carnavalesca de rosto, entrar em contato com a família Silva através do instagram: @gilberto_mascaraas

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