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A jovem liderança de Lia do Quilombo

Texto de Lícia Souto

Candidata a vereadora pelo município de Água Branca (AL), em 2020, ativista social, empreendedora, vaqueira e presidenta da AMAQUI (Associação das Mulheres Artesãs Quilombolas Serra das Viúvas). A jovem Lia Araújo – conhecida também como Lia do Quilombo – tem apenas 24 anos, mas sua pouca idade não resume e nem define a mulher obstinada que ela é.

Conversamos com Lia sobre o trabalho desenvolvido na AMAQUI, uma Associação de mulheres artesãs que compartilham o oficio artesanal com a vida em comunidade, desenvolvem o extrativismo e geram renda e turismo para a região, tudo feito de forma sustentável, com respeito à natureza e dedicação ao trabalho. Falamos também sobre política, a relação com o empreendedorismo e a pecuária; confira.

– Desde 2006, a comunidade de Serra das Viúvas vinha tentando formalizar a AMAQUI (Associação das Mulheres Artesãs Quilombolas Serra das Viúvas), mas foi somente em 2010, com o apoio da ONG Agendha (Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia), que a AMAQUI foi formalizada. Quais mudanças e benefícios a formalização da Associação trouxe?

Lia – A partir da Agendha, que foi uma das ONGs que nos incentivou muito desde a formação da Associação, fizemos o plantio de Licuri, que é uma árvore que fornece a matéria prima artesanal da comunidade. Então, eles incentivaram com projetos de reflorestamento e nos ensinaram como se organizar em sociedade e associação.

– Quantas mulheres fazem parte da AMAQUI hoje?

Lia – Hoje, nós temos 49 mulheres dentro da associação (lá no papel), porém sempre tem as que não estão inseridas com o nome mesmo, mas contribuem também, geralmente quando vamos fazer alguma mobilização. A comunidade é praticamente uma família, às vezes tem duas ou três pessoas de uma mesma casa inseridos nessas ações.

– De que forma a AMAQUI tem impacto na vida de vocês?

Lia – A AMAQUI tem um grande impacto. Esse nome tão pequeno dá uma visibilidade muito grande à comunidade, porque carrega muitas histórias, abrange mulheres, artesanato, nosso símbolo de luta; nós temos nossa própria culinária, recebemos turistas para tomar café da manhã, tudo feito com os ingredientes que produzimos aqui. Por exemplo, no dia da Consciência Negra nós fazemos uma exposição dos artesanatos e mostramos nossa cultura, então esse nome carrega muitas coisas para além de um título.

– Como funciona a rotina de produção de vocês? Essa rotina sofreu alterações com a pandemia?

Lia – Nesse momento de pandemia, o pessoal só se reúne quando há necessidade, sempre sem causar aglomerações. Com relação aos trabalhos artesanais, não sofremos muito, já que não são encomendas muito grandes, cada um faz o seu produto em casa. Também não sofremos impacto na produção, já que nossos materiais são fornecidos por aqui mesmo, são coisas buscadas na natureza. Aqui, tudo depende da lua, tiramos os materiais se a lua estiver boa, se não estiver, esperamos, porque senão teremos um material mais frágil, por isso é importante observar e esperar. Graças a Deus temos os nossos clientes e os que não podem vir até nós para buscar as peças, nós entregamos. Fazemos de tudo para deixar nossos clientes satisfeitos.

– Quais são as fontes de renda dessas mulheres? Quais os principais produtos que saem daí?

Lia – Aqui, a principal fonte de renda vem da agricultura, como produção de farinha e outros derivados da mandioca. Inclusive, as mulheres daqui estão inseridas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); elas entregam frutas e tapiocas, por exemplo. Além disso, temos os nossos principais produtos artesanais, como chapéus, bolsas, esteiras, luminárias, almofadas, vassouras, tudo isso é feito com cuidado e sentimento, buscamos trazer a natureza em nossas peças que irão para dentro das casas das pessoas.

– Falando agora especificamente sobre você, Lia, mulher à frente da Associação e também empreendedora e vaqueira. Como é para você conciliar todas essas funções?

Lia – Antes mesmo de entrar na Associação, eu já participava de movimentos sociais, as pessoas sempre se reuniam na minha casa, então eu cresci nesse meio, eu via o pessoal vindo comprar artesanato e contribuindo, e eu sempre senti necessidade de participar, sempre quis viajar, representar a comunidade. Quando eu completei 18 anos, percebi que eles precisavam de jovens nesse meio, porque a maioria das mulheres mais velhas tem potencial, sabem fazer as peças, dominam o artesanato e toda a questão cultural, mas elas precisavam de alguém para cuidar de outras áreas, como CNPJ, manter a associação regularizada, mantê-la por dentro de todas essas questões. A partir da minha entrada, chamei mais jovens para participar, porque é muito importante a participação da juventude, esse contato abre a mente e juntos crescemos como comunidade.

 

Com relação ao meu lado vaqueira, eu sempre gostei de criar animais, porque eu sei que ali está o meu futuro, eu crio ovelhas e bovinos, e amo cuidar deles. Quando eu tenho tempo livre, vou pra Delmiro Gouveia, que é onde tenho minha criação junto com meu pai; tem um terreno grande, então fica mais livre e melhor para eles. Eu mesma negocio tudo. É corrido sim, mas quando você quer, dá para conciliar.

– Como você foi eleita presidenta da AMAQUI?

Lia – Eu sempre participei das reuniões, sempre tive posição sobre as coisas, daí quando as mulheres resolveram fazer uma eleição, recomendaram que eu participasse da diretoria, de início eu não quis, então me candidatei para o Conselho Fiscal. Tempos depois, recebi uma mensagem do pessoal da Associação dizendo que haviam se reunido e chegado ao consenso que queriam realmente que eu assumisse a presidência do grupo. Então eu não me candidatei, elas decidiram me colocar como presidenta.

– Como empreendedora, o que mais lhe motiva?

Lia – O que mais me motiva, é que o nosso empreendedorismo é diferente, é a força da nossa cultura. É algo que mexe com você, mexe com a cultura de toda uma comunidade. É empreender com o artesanal, tudo que produzimos traz uma história. Quando eu faço uma peça, mostro e conto a história, o pessoal se encanta pela comunidade, porque é um trabalho que envolve sentimento. A própria natureza em si já é uma obra de arte, nós só damos forma às peças. Para mim, isso é sensacional, ser empreendedora e ajudar a própria cultura.

– Conta para a gente um pouco sobre ser vaqueira, é algo que você aprendeu desde criança? De onde veio essa relação e como é sua rotina hoje?

Lia – Desde pequena eu quis ser vaqueira, mas sempre ficava quietinha porque nós não podíamos ter muitos animais. Minha mãe sempre dava os bichos ao meu irmão, que não gostava muito de criar, e eu doida por uma ovelhinha só; sempre gostei de tê-los por perto e cria-los, daí é um interesse que eu compartilho mais com meu pai, que sempre gostou de criação. Hoje, eu cuido dos meus animais, quando precisa dar vacina e injeções, eu mesma dou e ajudo em tudo.

– Sobre a sua candidatura política em 2020, me fala um pouquinho do por quê que você decidiu concorrer.

Lia – Na verdade, eu nem queria sair como candidata, mas devido aos trabalhos que eu já fazia por aqui, além de gostar de acompanhar o campo político porque acho muito importante a mulher estar inserida, recebi o incentivo de alguns amigos meus. Daí mesmo não querendo tanto, resolvi tentar, não foi dessa vez que ganhei, mas todo mundo sabe que  política é difícil e eu não compro voto, não faço política com mentiras, vou na verdade, tenho minha postura, quem quiser votar em mim, será por isso. Na política, uma mulher participando sofre muito preconceito, mas eu botei a minha cara e fui em frente. É um meio difícil, para alguns eleitores você tem que dar o que eles querem, e eu não fiz isso, minha campanha toda foi na honestidade. Não me arrependi de nada. Foi uma experiência de vida, tem horas que eu nem acredito que tive essa coragem… a gente tem que ter coragem, né?!

 

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