Coluna de Nathália Bezerra
Escrever sobre o cinema implica em fazê-lo de forma experimental. De forma amadora, eu até diria, para que seja possível amar como quem aprende todo dia. É nesse cotidiano e levada pelo risco inacomodável de escrever sobre cinema, poéticas e sobre mulher em um texto só, deixo também de início o aviso que se trata de esfregar as caras no impossível o tempo inteiro. Aqui, talvez, abre-se a porta e a proposta de deixar um buraco ou um espaço em aberto. Para que seja possível justamente dedilhar as pontas do que já me apareceu na tentativa de nomear esse texto: molhar, mulher, mergulhar. Alagoas, alagadas. Molhar mulheres, mulheres molhadas. M-olhar mulheres. Meu olhar mulher. Nosso olhar mulher. Olhar mulheres, mas não somente isso: escrever sobre isso e narrar algumas das experiências possíveis que, inevitavelmente, passam pelo risco da poesia.
Nesse sentido, escrever aqui aparece como um (des)encontro com as poéticas do cinema alagoano, produzidas por mulheres cis, trans e pessoas não-binárias. diante dessa questão, uma pesquisa e um experimento de corpo podem coexistir diante da recusa de uma narrativa única. Inicialmente, essas indagações seguem percursos ainda muito iniciais e a escrita aqui começou a existir por estar latejando, por ser latente: comecei a escrever como uma tentativa de traçar algumas dessas linhas iniciais, como um relevo em uma cartografia que ainda está a ser mapeada. Não é uma tentativa de esgotamento do assunto, de catalogação e menos ainda de encerrar o assunto aqui, mas sim de um convite em mergulhar-se no desconhecido. como dito no início, essa escrita também se desenha como experiência e só existe a partir de provocações.
Uma delas surgiu diante do debate proposto pela oficina “mulheres no audiovisual: weboficina de crítica cinematográfica”, facilitada por Dayane Teles, Larissa Lisboa e Rosana Dias, e aconteceu de forma online e gratuita. As inquietações pairavam em torno da reflexão, da escrita e dos exercício de leitura a partir dos deslugares e da cena que se coloca para a produção audiovisual realizada, dirigida e produzida por mulheres no estado de alagoas. Ao longo dos encontros e das trocas, é possível tecer e deslocar para uma outra cena: a que passa também pelo corpo. levar essas provocações também para outros lugares, criar outras vozes, passar por outros corpos.
A possibilidade de entrar em contato com outras mulheres, também com o corpo em cena diante desse panorama, foi um inquietante abraço para conhecer e mergulhar em obras feitas por mulheres no audiovisual alagoano. Quais as poéticas possíveis que se desenham a partir da produção audiovisual de mulheres alagoanas? E quais as poéticas possíveis que podem vir a existir diante desse espaço em aberto?
Diante dessas questões, tenho me ocupado em refletir sobre poéticas e, mais do que isso: sobre as poéticas que se alargam diante da linguagem, seja ela escrita ou visual. Uma mulher que muito me inspira nessas duas línguas é a Marguerite Duras, escritora francesa, diretora e roteirista de uma ampla sequência de filmes poéticos e experimentais. Um dos meus preferidos é Aurélia Steiner (1979), cuja narração é suave aos ouvidos. Cujo texto ressoa e vai sendo digerido aos poucos, tocando nas relações. a experiência de ler os escritos e assistir os filmes de Marguerite também despertam um outro interesse meu peculiar que pode ser possível de ser desenhado, pesquisado e sentido: mulher, além de ato político, é ato poético. E isso talvez aconteça, também, porque passa pelas experiências de corpo e um corpo é marcado por linguagem. essa mesma linguagem que, agora, diante da literatura, do cinema, do audiovisual e da escrita, pode desaguar em outros cantos.
É preciso lançar o corpo na água. E isso não se faz sem abrir mão da tentativa de resistir à narrativas únicas. É preciso não entender tudo, é preciso não saber tanto tão depressa: foi uma das coisas que me chamaram atenção no cinema experimental, e em destaque: em alguns dos filmes experimentais alagoanos que pude ter contato nos últimos tempos de vivência, pesquisa e encontro nesse território que ocupo. Sustentar esse espaço de ser mulher, de ver mulheres, de ouvir mulheres e de agarrar-se nisso que se representa no audiovisual é um literal convite de mergulho: é preciso molhar os pés e o corpo inteiro na água.